sábado, 19 de setembro de 2009

A Formiga

A formiga nasce de uma encomenda da Câmara Municipal de Aveiro ao escritor Gonçalo M. Tavares e à Efémero.
O espectáculo foi apresentado, ontem, dia 18 de Setembro, no Teatro Aveirense.
Entrada livre, muitos convidados, muitos lugares vazios, como se quer nestas ocasiões. Estavam reunidas as condições para uma grande ovação final, uma triunfante noite teatral. Mas não. O resultado é, em termos gerais, um espectáculo entediante, aborrecido, ridículo, por vezes, e que não se percebeu...
Quatro personagens nesta história. A história de um homem e de uma mulher, irmãos, que co-habitam a mesma casa e que se alimentam numa mesa com uma só cadeira que o empregado vai transportando de uma extremidade da mesa para a outra. O irmão descobre, através de uma carta, que a irmã tem um namorado e decide "acompanhá-la" a um dos habituais encontros dos dois namorados. Termina este encontro com a vontade de comer destes personagens e vão todos para casa alimentar-se. No meio disto tudo há a referência a uma formiga argentina que terá sido vista em Aveiro, na rua D. João não sei das quantas. E termina com todos à mesa, numa enorme tensão dramática, auxiliada com o movimento da tal cadeira, agora duas para os três personagens, e o mordomo com uma bandeja na mão transporta uma pistola, para matar a formiga, presume-se. O espaço cénico está dividido em dois. Um espaço de proscénio onde os dois irmãos vêm e comentam fotografias da cidade; aparentemente as mesmas mas com interpretações diferentes e onde estão, também, dois cadeirões antigos e uma mesa redonda e uma bicicleta tombada, talvez porque haja muitas em Aveiro. E o mordomo dá umas indicações aos personagens, didascálias, e passa os slides das fotografias. Mais tarde é revelado um outro espaço, interior, onde se observa uma mesa, uma cadeira e um "tapete" de sal, estilo "2001 odisseia no espaço". Há um relógio que exibe as horas e deve ser um elemento importante na peça para estar sempre presente. Há muito recurso ao vídeo para ilustrar os trajectos através da cidade dos personagens e até o recurso a uma espécie de "google map" em que o trajecto dos três personagens é representado por três bolinhas coloridas, uma vermelha, outra azul e outra verde que se passeiam no tal mapa. Que confusão de linguagens.
Os intépretes estão perdidos neste texto. É evidente que não percebem os personagens e o público percebe isso de imediato. Um empregado ou mordomo que ora umas vezes diz aos personagens o que fazer ora outras se comporta como empregado e que se passeia transportando uma cadeira. A personagem feminina não existe, não chega se quer a ter uma dimensão perceptível. O irmão, que é adjectivado de possessivo, resume a sua personagem a uma atitude corporal repleta de maneirismos. O outro personagem masculino é episódico, e ainda bem para ele e para nós. No meio disto tudo uma formiga que veio da Argentina para Aveiro. Setenta e cinco minutos para nos contarem que uma irmã que vive com um irmão "possessivo", e que vêm fotografias juntos, tem um namorado e que a culpa disto tudo é da formiga? E tentam criar tensão dramática através do movimento de uma cadeira que ora serve um rabo ora serve o outro e uma música a puxar ao dramalhão?
Terá sido o encenador que não leu o mesmo texto do autor?
P.S. Recomendo a leitura do conto "A Formiga Argentina" de Italo Calvino. Boas leituras.